Quase todos, em todas as escolas, ignoram um professor readaptado. Quis o destino, porém, que Claudinha pusesse sua sensibilidade em ação. Quase todos, em todas escolas, um professor readaptado. Quis o destino, porém que Claudinha pusesse sua sensibilidade em ação.Claudinha foi apresentada na primeira reunião do ano. Mulher de olhar calmo, jeito simples, sossegada,. bonita, longe de parecer uma professora readaptada. Mas era.
O professor readaptado, por razões de saúde,deixa a docência e vive no limbo pedagógico. Quase todos, em todas as escolas, ignoram um professor readaptado. Quis o destino, no entanto, que ela pusesse sua sensibilidade em ação. Logo soubemos disso. Ela zanzou pela escola, olhando aqui e ali, procurando e desvendando segredos grudados nas paredes. Semanas depois, apresentou para a gestora uma proposta inusitada, nunca antes circulada em nossa pedagogia modorrenta. – Se não tiver uso melhor para a sala do final do corredor, gostaria de transformá-la em uma sala de leitura. A gestora concordou. Mais para dar sentido à presença de Claudinha na escola do que por pensar numa sala de leitura. Nunca pensara. Claudinha precisou de um mês, alguma liberdade, apoio de pais e mães, professores e alunos. Mexeu, limpou, pintou, pediu, assoprou, rodopiou, abriu caixas de livros fechadas, furou, parafusou, envernizou, colou, arrumou, enfeitou e marcou a inaugura- ção da tal Sala de Leitura. Na inauguração o que vimos nos deixou de boca aberta e olhos estatelados. Uma sala imunda, repleta de vazios e inutilidades, havia se transformado em uma Sala de Leitura. Linda, como se desenhada por um Picasso local. Almofadas, tapetes, caixotes, estantes, mesas e cadeiras, paredes bordadas e livros. E o mais bonito disso tudo é que a sala começou a ser visitada. Alunos, professores, pais, mães. Muita gente. Mas, nem tudo foi um mar de rosas, na trajetória da Claudinha e daquela sala de encantamento. Um dia fizeram reunião de pais na sala. Depois, guardaram uns computadores usados, botaram alunos de castigo, alunos sem professor, alunos de aula vaga... E mais reuniões, de todo tipo. Até umas rodadas de bingo, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a combalida APM da escola. Tanto uso que foi preciso criar uma agenda. E começaram as conversas de pé de porta que a sala não tinha dono, que era de todos, que poderia ser usada por qualquer um. E virou um salve-se quem puder. Até que a Claudinha se postou na porta da sala por horas seguidas, impedindo a entrada de quem quer que fosse se não fosse pela razão da leitura. Com argumentos, ela desafiou o descaso, a má vontade, a inveja, o mau uso, a ignorância: – Esta sala é uma sala de leitura, lugar de burilar ideias, de desabotoar vontades, de soprar o limite dos horizontes, de desacomodar certezas, de mexer nos nossos guardados, de sonhar com outras possibilidades, de dar vozes ao silêncio, de despertar palavras dormidas, de inventar caras para os nossos desejos, de cruzar as fronteiras do conhecimento... Ninguém peitou. Ninguém ousou desafiá-la. Ninguém discordou. E a Sala de Leitura, sala de encantamento se tornou. Para todos. A Claudinha? Um tempinho depois partiu. Foi criar outras salas de encantamento.
Edson Gabriel Garcia é educador e escritor, criador de programas de incentivo à leitura e autor de Diário de Biloca, Amoreco, Cartas Marcadas, Se liga e outros.
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