DOMINGO PEDE PALAVRA
SOBRE A LITERATURA INFANTIL
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A Literatura Infantil transmite os valores fundamentais para a criança. Fundamentais porque vêm de fundamento. É o discurso que funda, o discurso fundador. Estudiosos da Literatura Infantil sabem disso. Primeiro, que há valores que são fundamentais, que fincam as bases de uma cidadania universal. Valores que estão numa educação humanista; segundo, que a Literatura Infantil é a transmissora nata, por excelência, desses valores.
TATIANA BELINKY - AUTORA DE LITERATURA INFANTIL
REPRODUÇÃO
Giorgio Manganelli, que fez uma leitura reveladora de um clássico infantil, sabe disso, e todos os outros autores.
A Literatura Infantil apresenta-se como um espetáculo. Ela é, por si só, espetacular. Tudo nela converge para o espetáculo da infância. Os bichos, as paisagens da floresta, os bosques, as buscas, o “Era uma vez”.
No espaço sem figuras está escrita a história. A letra é uma outra espécie de figura, de ilustração. O que o desenho mostra ou não, está ali, está contado ali, naquele espaço cheio de sinais imóveis para o espanto original, é lá que está a historia., que ela nasce. Os coloridos desenhos ilustram, enfeitam. É essa a grande mágica, o despertar da curiosidade. Quando isso acontece, a criança está ganha. Ao ter a sua curiosidade despertada para o espaço da letra, ela já se tornou um leitor.
A importância da ilustração é inquestionável. Trata-se da protagonista para a criança em fase de alfabetização, pois é ela, a ilustração, que conduz a criança ao mágico mundo da história, que na letra está.
Depois, com o passar dos anos, a ilustração vai se encolhendo e ganha espaço a outra ilustração, a outra figura, feita com as letras. A letra é outro desenho, que ocupa mais páginas.
Todos os personagens são amigos. O gato de botas, o lobo, a bruxa, a princesa, o sapo. Todos estão imbuídos de amizade que é universal. Atravessa fronteira a amizade da criança com os seres fantásticos.
É PRECISO OUVIR O SAPO
Rospo é personagem de Marciano Vasques
Fantásticos porque têm a origem na fantasia. A fantasia é a vestimenta dos personagens. É a vida real que está fantasiada: Branca, Cinderela..., vestiram uma fantasia para entrar no mundo da imaginação, onde se elabora a realidade. Quando se fundem as duas é melhor, o resultado é impressionante.
MONTEIRO LOBATO
REPRODUÇÃO
Monteiro Lobato fez isso, o homem do sítio pôs crianças de verdade convivendo com seres da imaginação. Uma fusão espetacular. Nenhum outro modelo pedagógico se aproxima do sítio. O modelo ainda inimitável de Lobato, está nesse fundir. A realidade mesclada com a imaginação capacitando a criança para a fantasia, ao mesmo tempo em que se apossa do mundo.
Na imaginação temos a realidade apresentada de uma tal forma que precisa ser decifrada. A criança precisa burilar essa imaginação para dela extrair a realidade. A chegada da criança no mundo real se dá por uma ponte inquebrantável. O trânsito original da criança rumo à realidade flui nessa ponte que é a Literatura Infantil. Tal literatura se constitui como ponte, e por ela a criança atravessa sã e aprende a governar os seus sentimentos, assim como compreender a realidade na qual vive, que ela é.
A Educação deveria observar essa função da Literatura Infantil, e rever alguns de seus conceitos, principalmente o da exatidão, no sentido da educação exata, cuja lógica converge para um saber adulto, desprovido do saber infantil: o único capaz de invadir o universo de magia e do “Era uma vez”. Talvez alguns fracassos escolares pudessem ser evitados. Ter o olhar da criança, norma número um. Norma que não normatiza, mas aproxima.
Toda ela, a Literatura Infantil, a bela Branca, se ocupa da construção do edifício ético cujas colunas da armação são formadas por aqueles valores fundamentais.
VERSÃO CINEMATOGRÁFICA DA BRANCA DE NEVE
A criança em contato com a bela Branca (que é multicolorida) está sendo preparada para viver a travessia que a levará para a compreensão da ciência, que é outra espécie de encantamento. O encantamento do adulto, mas que se principia na criança da travessia, quando, por exemplo, diante de uma vela acesa que derrete. A chama da vela, a fumaça que se dissipa, tudo é um mistério que aproxima, um convite para o saber. O pente que se esfrega nos cabelos e atrai o papel picado. Enfim, trata-se do encantamento cujo nascedouro está na criança. A criança que no futuro poderá se apaixonar pela compreensão científica, assim como ler os filósofos, qualquer um, um Montaigne, um Heidegger, um Nietzsche, enfim.
A Literatura Infantil terá existido desde os confins do tempo, na sua forma oral, na oralidade, com seus seres (dragões, etc) e principalmente, os animais.
O animal está mais próximo da criança. A sua identificação com ele é imediata e estrondosa, o animal é o outro. Ele é o ser que convive no mesmo mundo, não há diferenças de universos, e ambos precisam muito de afeto, ambos são indefesos.
O alfabeto animal a criança logo entende. Ela começa a falar pelo au, au, au...Assim ela vai identificando os seus primeiros amigos.
Grandes personagens da bela Branca são animais: corvos, lobos, raposas, coelhos, grilos falantes, e sapo. Eles estão no caminho, plena coreografia, puro cenário.
Possivelmente doutores da Educação, os que lidam ou teorizam sobre a pedagogia, os responsáveis pela organização do saber, os que fazem o movimento pedagógico, precisam ter contato com a Literatura Infantil e ouvir o que o sapo tem a dizer, antes de se transformar num príncipe.
DESENHO DE SOFIA FERREIRA
O que são os animais da Literatura Infantil? O que são as bruxas, os ogros, as fadas, os príncipes? São os sentimentos humanos, são eles que estão representados na bela Branca. O ciúme é um personagem presente em quase todas as histórias. O amor, o ódio, o medo...Todos os sentimentos humanos estão na Infantil, assumindo suas formas visíveis. É disso que trata tal Literatura: os sentimentos humanos. É através da decifração desses sentimentos que a criança se apropria da travessia. É assim que ela vai se confrontando com a realidade. É assim que ela se prepara para viver realmente.
KIERKEGAARD - REPRODUÇÃO
Kierkegaard leu Andersen? Alguns intelectuais ficaram apaixonados pelo saber do “Era uma vez”?
Seria proveitoso para o mundo e principalmente para o universo pedagógico se todos os estudiosos pudessem dar uma espiada na Literatura Infantil.
MARCIANO VASQUES
DOMINGO PEDE PALAVRA - TEXTO 01