sábado, 1 de maio de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA - 6 - O CIRCO



DOMINGO PEDE PALAVRA





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O CIRCO

“Vejam só que história boba eu tenho pra contar/ quem é que vai querer
me acreditar/ eu sou palhaço sem querer”
SONHOS DE UM PALHAÇO
Antonio Marcos /Sérgio Sá




Nas noites em que eu colhia vaga-lumes para fazer os lampiões, também durante o dia no quintal brincava de armar circos. Eu e minha irmã costumávamos correr logo cedo com os lençóis para que o circo já estivesse erguido na manhã. Tudo era aproveitado. O caule descascado de um eucalipto pequeno que nosso pai guardava para algum cercado ou um galinheiro que planejava, e que era por nós colocado num buraco que fazíamos bem ao centro do quintal, o próprio varal, a cerca, as madeiras espalhadas e as cadeiras. O picadeiro corria por conta da nossa imaginação. A mãe no tanque ou na varanda fingia que não estava vendo e só dava a bronca bem mais tarde quando o espetáculo já havia terminado e então nos obrigava a desmontar tudo e a recolher os lençóis. Assim eram erguidas as nossas manhãs.
Um dia quando ia para a escola reparei que havia um circo triste no meio do caminho. No meio do caminho havia um circo entristecido mais ainda pelo meu olhar campeão de perplexidades e descobertas.
Minha mãe esbravejando contra o comerciante que havia vendido para ela o meu presente de aniversário com defeito, pois não se conformava com o fato do estojo com vinte e cinco soldadinhos de chumbo ter vindo com um defeituoso. Sim, um deles veio sem uma perna e minha mãe ficou muito brava. Eu nem me importava com nada do que ela ralhava naquela tarde friorenta, pois não tirava os olhos do circo triste que ficava para trás.
Um circo triste era algo impensável para o meu coraçãozinho. Era a mesma coisa que um palhaço chorando de verdade. Uma coisa que não podia existir.

Como menino faz a infância com perguntas eu me perguntava o porquê da tristeza daquela lona. Nunca compreendi aquela melancolia chuvosa. Nada tinha a ver com a chuva fina que afinal lavava o circo.
Enquanto tremia de frio no banco da escola comparava o circo triste com os livros fechados de uma biblioteca que eu tinha visitado. Se eu pudesse, teria aberto todos, pois gostava mesmo era de alegria!

Gizes e lápis e meu pensamento voando para o circo. Era época de balões no céu e era tão bom viver uma meninice assim de papel de seda no céu e circos pobres nas várzeas arenosas e nos terrenos alagados. Um dos que não esqueci ficava num terreno da rua da pequena fábrica de sabão. Lembro-me de tê-lo visto certa vez quando corria atrás de um balão.
Mas o tempo passou e embora o “era uma vez” nunca se vá de verdade, as coisas essenciais vão se dissipando e nossa alma ensaia ficar virtual, tecnológica e de concreto.
E Arrelia morreu.

Num outono frio de maio Arrelia partiu. As cortinas desceram e as luzes do picadeiro se apagaram.
Nunca vi a cena comovente de um palhaço se pintando, mas fiquei em filas inesquecíveis e entrei com o coração saltitando mais que gafanhoto a deslizar em verdes, num circo de chão de barro, e jamais sairá de mim aquele universo de pipoca, pirulitos em forma de guarda-chuvas e algodão doce, e o nariz vermelho de um palhaço que estava ali para alegrar o meu coração.
E hoje no alto do tempo e no arco da minha vida é que compreendo que eu sempre quis que a vida fosse uma eterna “arrelia”.






MARCIANO VASQUES


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