sábado, 17 de abril de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA - 4

QUEM CONTA UM CONTO AUMENTA O ENCANTO
 



Levo para casa o pássaro da “menina do conto”.

No caminho ponho-me a pensar que quem conta um conto aumenta o encanto.

O conto é o encontro com o encanto.

Coisas que penso, na direção da estação do Metrô, enquanto subo a Cardeal.

Passei o dia no Instituto Tomie Ohtake.

Penso coisas diversas. Um rodamoinho em minha cabeça. Queria ser apenas poeta.

Penso no significado de elite. A palavra é muito mal usada, como uma boa parte do nosso vocabulário. Elite significa originalmente os melhores. Não é o caso quando se fala em elite brasileira. No caso trata-se, na maioria das vezes, de pessoas endinheiradas, gente que tem dinheiro. Isso não tem nada a ver com elite, que é um termo belo em sua importância. Quem menospreza a elite verdadeira é um tolo.

O que se diz que é elite trata-se de gente deslumbrada, gente com dinheiro etc, que convive numa tolice circular, de grupinhos, mantendo um padrão hipócrita que convencionou que tudo que está exposto é arte.

O pior é teimar em enfiar goela abaixo verdades confeccionadas para satisfação indefensável.

Como passei um dia inteiro vendo arte, pus-me a pensar essas coisas, e claro que tentei afastar o pensamento. Tudo que está exposto é arte. Muita coisa se diz arte e a elite empina os aplausos e os comentários. Padrão hipócrita.

Chico Buarque é elite da música popular brasileira. Está aí uma coisa certa. Ele é o melhor e está entre os melhores, faz parte da elite. Esse é apenas um exemplo. Elite no bom significado, elite querendo dizer o melhor, a nata, o que se distingue, o que destoa, não elite no sentido usual, não a desvalorização do termo, da palavra.

Quem conta um conto aumenta o encanto. Gosto das “meninas do conto”. Penso também que hoje estou muito lobatiano, penso também que é preciso ter cuidado (e nem sempre sou cuidadoso) pois afinal os impressionistas quando chegaram foram inadequadamente recebidos e penso que hoje todo mundo gosta de Renoir, penso também que não tenho estrutura suficiente para segurar um debate sobre arte contemporânea, e penso finalmente que expor o meu pensamento é uma coisa válida.


No fundo reconheço que ainda prefiro a arte acadêmica. Fico emocionado quando estou na Pinacoteca, fico emocionado diante de uma pintura a óleo, fico emocionado diante de Almeida Júnior e por aí vou...

Sei que cada um se manifesta como pode ou sabe, cada manifestação é diferente. Uns ficam calados, alguns argumentam filosoficamente e outros desenvolvem reações explosivas, e no fundo todos gostariam de se manifestar diante de uma obra de arte, mas há muito medo, muito receio de que nos chamem de ignorantes, brutos...

Talvez tenham razão: é preciso mesmo uma lapidação imensa para que todos possamos compreender e nos acostumar com a arte que às vezes não consegue nos sensibilizar, não passa pelo belo, não vive a estética do belo (há outra?), e sinto que primeiro vem o sentir, depois o racionalizar, e essa é a chave.

Só entendo por arte aquela produção que consegue me provocar, aquela que me instiga ou me toca, aquela que eu não consigo produzir, não consigo fazer, mas está lá a me provocar. Se não me provoca, se não entra pelos canais do sentir, fica difícil para mim, que afinal tenho uma educação tradicional. A educação que me faz um conservador (conservar), a educação do chamamento, aquela que atende ao chamamento, e se ele não há, o que se diz arte não tem força...

São apenas fragmentos do pensar que me invadiu na subida da Cardeal. Lembrei-me da amiga que permaneceu três anos na faculdade de artes até encontrar uma saída, uma solução, teve a sorte, o privilegio de estudar num atelier, com um solitário artista de 70 anos, talvez o último...

O pássaro da “menina do conto” é uma dobradura.


Estou feliz com uma nova descoberta: quem conta um conto aumenta o encanto!


MARCIANO VASQUES

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