domingo, 10 de abril de 2011

DOMINGO PEDE PALAVRA — 54

DESAFIO CHAMADO VIDA

"Viver é adaptar-se"
Euclides da Cunha



O impulso epistemológico que nasce com o bebê acompanha o ser humano durante toda a sua vida. Sonhar mais um sonho impossível (Miguel de Cervantes) talvez seja a forma de não se virar minhoca (lembrei-me de Ilma Fontes), ter um sonho como companheiro, fazer desse companheiro um camarada, como faz da poeira o cantador (Geraldo Vandré). Estar aberto ao sonho, ser esse sonho parte integrante da curiosidade, manter os olhos curiosos para o mistério do mundo, o que significa, para a abertura da vida.
Ter os olhos para o mistério do mundo é conservá-los como olhos de meninos: o olhar do menino é o olhar do poeta, ele vê as coisas do mundo sempre como novidades. O mundo é a novidade que não se esgota. Adaptar-se pode ser reencontrar esse olhar perdido no tempo da rotina das coisas.
Sentir necessidade, provocar o desequilibro, essa é a fonte da evolução, cuja deusa mãe é a curiosidade. Então a teoria piagetiana da motivação (a provocação do equilíbrio) faz-se notar na adaptação do individuo ao mundo, o que não significa o acomodamento, o acomodar-se, ao contrário, significa o enveredar do individuo na ampliação do conhecimento, ou seja, num processo interacionista (homem e natureza) o exercício do domínio do primeiro a partir da compreensão do mundo (da vida) como uma oferta para uma longa conquista.
Viver é adaptar-se, mas isso significa: encontrar a felicidade na realização do Ser, através da vivência de situações que exigem a busca de desequilíbrios, situações que busquem a estimulação pelo ato de ser, num caminho de assimilação (aprender a viver no mundo, penetrar em seus labirintos, aceitar os seus desafios).
O Ser certamente desenvolverá a sua potência de construtor de si mesmo através do cultivo da curiosidade.
A curiosidade de Piaget foi tentar decifrar, ou seja, compreender o nascedouro, a genealogia, e mais que isso, a construção do conhecimento, como o conhecimento se constrói, como ele é construído pelo e no Ser. De que forma isso ocorre, e como isso afeta a vida.
Na medida em que o Ser constrói o conhecimento na interação com o meio (a natureza, o mundo) ele se adapta: vai moldando o mundo (o conhecimento) aos seus interesses, ao seu prazer. A alma se alimenta do conhecer, da luz, e o Ser se realiza em sua incompletude, no sentido de que a curiosidade (a busca do desequilíbrio) é incansável, no sentido de que o Ser continua vivo, e isso quer dizer: continua em busca da satisfação da necessidade. Viver é estar pleno de necessidade. Eu sou um feixe de necessidades!
Adaptar-se é também aceitar essa condição, e assim buscar a possibilidade de harmonia, não a harmonia da aceitação conformista de imobilidade, da imutabilidade das coisas que são, mas a harmonia da nervura do desequilíbrio que provoca o crescimento.
Crescimento que significa conviver com o desafio chamado vida.

MARCIANO VASQUES

2 comentários:

angela leite disse...

É isso tudo aí, meu amigo Marciano! Profundo, sensível e certeiro, desvelando seu autor... Parabéns, gostei MESMO!
Angela

MARCIANO VASQUES disse...

E ler seu comentário para mim foi uma alegria desse tamanho, primeiro por ser você, tão amável e tão querida em nossa casa azul.
Obrigado, eu que já tenho tanto que agradecer por tudo que a vida me traz.
Marciano Vasques