sábado, 5 de junho de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA - 11

DOMINGO PEDE PALAVRA
Marciano Vasques

AS RENAS ESMAGAM OS GROUS



Encontrei um diário antigo de anotações.

Na noite de 21 de julho de 1969, eu olhava para a lua e pensava na menina que costumava aparecer com uma blusa azul na quermesse.
Sonho meu é como um grou. Alguns imensos e brancos como os grous da Sibéria. Outros, coloridos e tortuosos. Uns carregados de esperanças, outros, sem esperanças, apenas livres.
Os ninhos com os filhotes de grous são constantemente esmagados pelas grandes manadas de renas que disparam em regiões asiáticas.

Manadas nunca perdoam, passam por cima, arrastando tudo.
Manada pode ser considerado o vendaval mais pesado e mais arrasador para as pequenas criaturas do caminho.

As renas esmagam os grous.
Diariamente as manadas das dificuldades, de intempéries, esmagam meus sonhos, como se eles fossem grous.

Um presente nosso, por mais simples e delicado que seja, presenteia e presentifica o mundo, que fica presentificado.
Uma voz suave é uma obra tão grandiosa quanto qualquer outra.

Andersen escreveu e publicou as lendas que ouvia na infância.

Transformou-as em livros para as crianças, altamente educativos para os adultos. Um dia declarou: “Este é o meu presente para o mundo”. 
Hans Christian Andersen. Sua vida sofrida era um patinho feio. As adversidades não contavam com a persistência do soldadinho de chumbo.

E ele deixou o seu presente para o mundo. E até hoje, se faz presente.
O passeio mágico. Chamo assim a curiosa viagem de situações entre as histórias e lendas de povos de regiões e épocas diferentes.
Em diversas histórias, mitos e lendas de povos distantes entre si, em época e em regiões, algumas situações costumam reaparecer e se repetir, como se fossem universais, como se cada povo vivesse ou sentisse as mesmas coisas, cada qual a sua maneira.
É evidente que Joseph Campbell já demonstrou isso na mitologia, mas sempre é bom observar certas coisas na literatura infantil.
Observar o seu passeio mágico, essa repetição saborosa, que às vezes extrai da mitologia uma passagem, uma situação altamente significativa.
Penso, arrisco, que a literatura infantil é a grande auxiliar da mitologia, a sua irmã, ou, se podemos assim dizer, a sua correspondente para falar com os pequenos. Assim como a literatura é a irmã da filosofia para falar ao leigo. A filosofia se vale da literatura para atingir o leigo.

Sonhos.
Por eles podemos enlouquecer. Podemos até nos tornar um rei louco, como Luís II, da Baviera, para quem os contos de fadas não passaram.
Ele construiu três construções maravilhosas, um projeto alucinado, pois permaneceu com os contos de fadas na mente.
Enlouquecido em seus devaneios construiu um castelo que inspirou Disney para o castelo da Cinderela.
A paisagem alemã refletiu a partir do século dezenove a sua loucura, o seu sonho.
Os meus, alguns, são como grous.

 

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