domingo, 20 de junho de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA - 13

DOMINGO PEDE PALAVRA


Marciano Vasques
  


LIVROS 
PARA
CRIANÇA
MORAR
 

 
 




Uma criança escreve a ele dizendo que para ela a oitava maravilha do mundo é o Sitio do Pica-pau Amarelo. Dentro de poucos anos a obra do escritor de Taubaté cairá no domínio publico, o que significa que poderá sofrer todo tipo de adaptações e modificações, tal como Disney faz com os clássicos. Já podemos sentir essa nova realidade em algumas publicações do mercado e na moderna versão televisiva. Mas, quem foi esse homem grandioso? Desde que apareceu com a sua primeira obra escrita para adultos: o Urupês, o mais importante livro de contos publicado no Brasil em todos os tempos, que entre outras coisas, ampliou o universo lingüístico brasileiro, e no qual surge seu mais polêmico personagem, o Jeca Tatu, o fecundo escritor tornou-se a mais importante personalidade do Brasil, a presentear com a sua linguagem universal as crianças no triste período entre as duas guerras mundiais.
O autor das mais belas cartas jamais escrita no país. Nenhum brasileiro, em qualquer época, manteve uma correspondência de tal porte; isso numa época sem computador e sem as facilidades da vida contemporânea.
O sitio é a infância. É o mais rico modelo pedagógico erguido no país. Representa a escola com que sonhou Lobato, que então para as crianças com uma fé inabalável se voltou, escrevendo livros encantados.
Em 1936 promoveu um dos maravilhosos encontros no Sitio. Lá estava a comer bolinhos numa varanda, simplesmente o “D.Quixote das crianças”. Dona Benta começou a ler o livro, mas como a leitura era difícil, resolveu interrompê-la e, para a delícia dos pequenos, contar a história. O fato tornou-se o grande acontecimento naquele dia no Sitio.
Milhares de crianças chorando naquela tarde nos arredores do cemitério da Consolação no adeus do grande amigo.
"Pode dizer-se que nenhum homem, em nenhuma época, recebeu como ele tantas cartas infantis. Somente em 1940, quando, por defender a liberdade, o que é o mesmo que defender as crianças, foi condenado a um ano de prisão, mais de um milhão de cartas lhe foram enviadas pelos seus pequenos amigos de toda a América. Essa, mais do que nenhuma outra, foi a sua grande recompensa” Palavras pronunciadas em sua despedida naquela dolorosa tarde em São Paulo.
Quando esteve na Argentina, confessou: "Escrevo para as crianças, porque, depois de amanhã, elas construirão o mundo com que hoje sonhamos".
No cemitério da Consolação, O ator Procópio Ferreira, visivelmente emocionado, pronunciou as seguintes palavras ao microfone: "A sem-vergonhice nacional está de parabéns com a morte de Monteiro Lobato, grande homem, grande espírito, grande artista. Não sabemos o que mais admirar nele: se o homem de bem ou se o artista perfeito. Em meu nome e no de todos os atores do Brasil, trago aqui o nosso adeus comovido."
Segundo palavras do governo do Estado, Lobato, encarnando a reação ao espírito inconformado, transformou sua pena maravilhosa numa espada fulgurante e pontiaguda que lhe serviu de combate aos hipócritas. Assim era o homem que criou uma outra floresta, não a européia, repleta de castelos, duendes, e seres mitológicos das tradições culturais estrangeiras, mas a do Brasil, a do saci.
Lobato mostrou que ser infantil não é ser ridículo. A criança não é um débil mental. Desgostoso com os adultos passou a conviver com as suas crianças internas. Eis as palavras da Academia Paulista de Letras no dia da sua despedida: “Sabemos que eras, no fundo, uma grande ternura desejosa de exercer-se em benefício dos homens”.
Animado com as perspectivas na área da literatura infanto-juvenil, em 1926, já no Rio de Janeiro, para onde se mudara após a falência da sua Companhia Gráfico-Editora, Lobato confidencia a um amigo que enjoara de escrever para marmanjos, "bichos sem graça". E, lembrando-se do impacto que a leitura do Robinson Crusoé lhe causara, prometia, numa frase que se tornaria célebre: "Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar, como morei no Robinson” No volume de Fábulas, lançado em 1922, que reunia 77 narrativas, ele advertia que estas constituíam um alimento espiritual tão importante quanto o leite na primeira infância. Nos serões de Dona Benta os horizontes se ampliam e o universo invade o sitio.
Graças ao pó de pirlimpimpim ele levou a infância para viagens no tempo e no espaço.
Numa sociedade patriarcal, que mantinha a opressão da mulher, injetando nela as “características femininas” próprias à época, como a obediência, o servilismo e a humildade, a boneca Emília escandaliza os setores mais conservadores e tradicionalistas na primeira metade do século passado.
Por mais que se diga, sempre será pouco o que possamos falar a respeito dessa ternura desejosa de se exercer em beneficio da humanidade.





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