domingo, 11 de julho de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA - 16

Marciano Vasques
  

A FELICIDADE DO MUSEU

 

 

A expressão "tal coisa é um museu" é uma das mais tolas invenções da língua. Bobagens cotidianas. Uma das inúteis vulgaridades dos dizeres.
Geralmente se atribui tal expressão em referencia às pessoas que têm hábitos antigos, tranqueiras mentais ou objetos amontoados. Há um certo desdém, um certo preconceito na expressão.
Entretanto, o museu pertence ao universo do livro e isso já diz tanto que nem precisaria muita argumentação para retirá-lo dessa expressão. Ele tem o estatuto do livro, há algo de sagrado nele, um certo viés de encantamento, uma solicitude toda própria, que remete ao livro, de quem a alma pode no museu reencontrada ser.
Museu é a outra extensão da memória humana. A primeira já nos apontou Borges numa palestra em que do culto ao livro falava.
Quando o museu se abre para a visitação nos coloca em contato com a memória preservada e nos oferece uma chance de viagem ao passado, nos aproximando da eternidade. A máquina do tempo da ficção cientifica está transfigurada no museu, uma espécie de templo sagrado da memória.
O museu está lá, e estar nele ainda não encontrou substituto. Antecipo argumentos de que o museu pode ser transportado até a nossa casa pela Internet, mas o que ocorre de fato é que o museu está na tela, como poderia estar num livro repleto de fotos, mas você não está nele, nós não estamos nele.
Deixo de lado o prazer dos objetos antigos, da peças históricas , roupas e utensílios e levo-me até a pintura, é nela, através dela que inicio as minhas viagens ao passado. A pintura consegue o dom da eternidade.
Alguns museus ser lembrados precisam sempre, como o Museu do Prado (neste momento lembro de Caetano compondo a canção “Terra”), fundado em 1819 com três dezenas de quadros e hoje é um dos mais emocionantes do mundo. Nele estão os mestres da Espanha. Entre os quadros, lá está “As Meninas”, de Velazquez, e “Paisagem: embarque em Ostia de Santa Paula Romana”, de Cláudio de Lorena.
Dias felizes que já vivi são inesquecíveis. Um deles quando fui ao Masp ver uma exposição de Renoir. Noutro fui à Pinacoteca. Lá um dia é pouco e eu diante de Almeida Junior e aquela obra magnífica, tão bela. Depois, ao lado da Pinacoteca, a Praça da Luz. Uma imagem de harmonia e paz, que só era interrompida pela brusca visão de uma enorme propaganda de refrigerante num edifício. A tal força da grana.
Diante da imensa decepção política que assola o meu coração penso em Goethe e em sua razão.Talvez uma torre de marfim tenha um saldo positivo, extremamente benéfico. A palavra: “positivo” costuma soar inadequada. Enfim, viva Goethe! Para sempre!
Sobre o quadro de Velazquez, há o livro infantil de Jane Johnson intitulado “A Princesa e o Pintor”, originalmente lançado em Nova York em 1994 e que trata da amizade da infanta Margarita com seu amigo especial que sabe que ela é antes de tudo uma criança que precisa de amor e afeto. A historia começa no dia em que o pintor vai terminar o quadro da princesinha da Espanha.
Esse quadro foi pintado quando a princesa tinha cinco anos e desde aquele distante ano  ele nos olha, tal como uma das meninas do quadro “Rosa e Azul”. Esteja em qual ângulo você estiver, o olhar da menina estará em sua direção, dirigido a você, olhando exatamente para você. Mistérios da arte!
O museu de Louvre! Deixemos Madri e vamos até Paris. Que coisa linda! Que monumento maravilhoso! Passar um dia no Louvre é viver por uma vida. Estar ao lado do Sena, no museu que foi originalmente um palácio construído na renascença para receber obras primas, um belo gigante que abriga o sorriso da “Monalisa”, que abriga também “A rendeira” de VERMEER, maravilha da arte na qual os tons azuis vão se impondo, se alojando na pintura.
Também de Camile Corot, “A Dama Azul”, pura solidão enigmática, o que estará afinal a pensar aquela mulher? Jamais saberemos. Essa é a beleza! Quisera lembrar outros quadros do Louvre, mas, eu? Sou quem? Apenas por uma associação de idéias, por uma tal muito particular mnemônica na qual o azul me levou de “A rendeira” para “A dama de Azul”.
O olhar da menina olhando exatamente para você, dizendo algo sobre a beleza do mundo, sobre a eternidade. Eis algo do qual não se pode descuidar, e isso está na arte.
Sobre as águas do Báltico, o Museu Nacional de Estocolmo, fundado lá pelo final dos 1700, aberto um ano antes do Louvre.


Lindo e nele está “Ternura Maternal” de Carl Larsson.
Na capital da Holanda tem o Museu do Estado, Amsterdã, com o seu “A Ponte de Pedra” de Rembrandt, jogos de luzes, nuvens, cores, impressões tão belas que a alma num riacho se dissolve...
Com a Europa em guerra (a segunda guerra mundial, na década de quarenta) os holandeses empacotaram telas e as distribuíram pelo país. Para serem salvas de um bombardeio, as telas foram espalhadas em vários cantos das cidades, obras de artes em abrigos nas dunas de areia e o quadro “A ronda da noite” foi empacotado e posto a salvo num abrigo subterrâneo. Holanda cada vez maior. E Johannes Vermeer com “A Cozinheira”. E a insistência do azul numa peça de roupa. A cada retorno do azul a amplificação da felicidade.
E assim vamos...
Lugares que se foram, paisagens, momentos, extensão da memória humana, isso tudo é o museu. O museu é a permanência das coisas que se foram.
Se pudesse visitar todos os museus, estar no Museu Histórico de Viena, nas pinacotecas, em Berlim.

Originalmente, o templo das musas,lugar vivo,de vida latejante,esplendor da memória humana, nada a ver com velharias. Amo profundamente os museus. “O reino da luzes”. Museu, lugar da felicidade, umas das possibilidades de felicidade ao alcance de todos.
“O império das luzes”. Há um livro que li em meu castelo. “Em busca do tesouro de Magritte”, de Ricardo da Cunha Lima.
Museu, lugar da felicidade. Extensão da memória humana que também se ramifica no livro, no cinema...



Nenhum comentário: