domingo, 15 de maio de 2011

DOMINGO PEDE PALAVRA — 58



O BRASIL DO FOLHETIM




Alguns homens perceberam no século XIX que não dava para fazer de conta que não existia a presença da mulher na vida pública, e lançaram O ESPELHO DIAMANTINO, em 1826, o primeiro periódico exclusivamente para mulheres.
Ele continha cultura, moda, informação, economia, tudo voltado para o público feminino, e principalmente as belas artes, que distraindo as suas mentes, as desviariam do fervor da mocidade, o que sempre representava uma ameaça ao bom andamento da sociedade . As belas artes acalmavam e seguravam esse milenar temor chamado mulher.
Logo em seguida vieram os folhetins. Tudo começou em 1938, com a publicação do primeiro romance em folhetim, no Brasil, “O Capitão Paulo”, de Alexandre Dumas. Na verdade, o folhetim iria se transformar numa febre nacional, entenda-se nacional o reduzido público formado por moças ociosas e cultas da corte e da burguesia e senhoras da alta sociedade. O público dos folhetins era basicamente formado por mulheres, o leitor era a leitora.
No ano seguinte, foi publicado “O Aniversário de Dom Miguel em 1928”. O primeiro escrito por um autor brasileiro, João Manuel Pereira da Silva, mas ainda com temática europeia, e com a ação transcorrida em Portugal. E foi considerado um romance histórico, apesar de ter apenas pouco mais de trinta páginas.
Numa sociedade escravocrata, com um altíssimo índice de analfabetismo, as senhoras e as moças formaram os leitores dos folhetins.
Nos rodapés dos jornais, com marcas para serem recortados, os folhetins publicavam de tudo: curiosidades, receitas, literatura,e, naturalmente, tornaram-se os formadores de um público leitor, e aos poucos edificaram uma identidade nacional. Isso se deu principalmente a partir do Romance de Joaquim Manuel de Macedo, a Moreninha, um marco fundador da identidade nacional.
A novidade é a valorização dos traços do rosto, as características físicas e raciais, presentes na personagem protagonista, contrastando com a beleza importada, a palidez europeia, o modelo europeu de beleza. Com um rosto moreninho, de alguém travesso, inocente, faceiro e curioso. Curioso como uma mulher. Podemos dizer que Macedo rompeu isso, rompeu com essa importação de um modelo de beleza e de costumes europeus. Nesse sentido, “A Moreninha” tem um valor documental.
Martins Penna, um crítico das artes, um folhetinista, que assinava um folhetim chamado “A Semana Lírica” chamou de “Sarabulho Lítero – jornalístico” essa mistureba própria do folhetim, pois o folhetim tinha de tudo. Assuntos filosóficos e intelectuais se misturavam com futilidades. Sarabulho é um típico prato português, formado por miúdos de porcos, que antecipou a feijoada, e sinônimo de balbúrdia, bagunça. No folhetim estava a raiz de um leitor apreciador e consumidor de almanaques. Tanto que Monteiro Lobato, no século seguinte, lançou o seu emblemático Jeca Tatu no almanaque Biotônico Fontoura, que foi, a título de curiosidade, o primeiro contato de Tatiana Belinky com o autor no Brasil.
A noção geral aponta os folhetins como sinônimo de literatura, mas na verdade, folhetim era um espaço no rodapé do jornal, de piadas, curiosidades, aforismos, moda, Balzac, costumes urbanos, sobretudo... sempre direcionados para o público feminino... Muitos autores começavam seus romances assim: Cara Leitora.
O que Niesztche chamou de “Aproximar o saber do viver” talvez explique a nossa contemporaneidade, a nossa cultura de massa. A forma como vivemos hoje. O nosso jornalismo na tevê, as nossas preferências culturais. Tudo talvez esteja na origem do folhetim.
Folhetim era profusão, riqueza, extraordinária riqueza temática.
Hoje podemos afirmar que o folhetim ressurge na blogosfera. É nos blogs que vemos essa riqueza, essa infinito almanaque. Dedique - se menos a esses sites de relacionamento e faça um blog. Um blog! Isso eu sempre recomendo. Pare de adicionar tantos amigos. Não precisamos adicionar tantos amigos nem decorar tantas letras musicais.
O Romantismo não tem jeito. E a parte apenas romântica, de fazer as mulheres suspirarem estão nas novelas, com a diferença que hoje os homens também suspiram. A partir de algumas novelas básicas, como irmãos Coragem, os homens se tornaram noveleiros. Embora meu pai emocionava-se com Bianca, uma das muitas radionovelas que ele ouvia ao jantar nos anos da segunda metade da década de 50, e depois eu na adolescência, li tantas, mas tantas telenovelas que aquelas revistas jamais saíram da minha memória: Capricho, Grande Hotel, Sétimo Céu, embora não possam ser consideradas uma nova modalidade de folhetim, pois as fotonovelas terminavam na mesma edição.

Talvez possamos concluir que ainda vivemos numa sociedade folhetinesca. De folhetim. Pois adoramos esperar pelo próximo capítulo.

MARCIANO VASQUES





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