sábado, 16 de outubro de 2010

DOMINGO PEDE PALAVRA -30

A DEUSA DA EVOLUÇÃO



No mar também vivem as lampreias. Que espécie de ser vivo é a lampreia? Como é possível a convivência entre seres tão distintos, uns de rara beleza, outros assustadores, e cada qual com a sua função ou o seu modo de sobreviver. A que propósito, com que razões eles vivem? Quais as razões da natureza?
Estar dentro do vento que agita as águas, sentir na visão das ondas o fascínio dos ventos, os mistérios do vento que move o mar, o choque das águas contra os rochedos. Quem passou uma madrugada numa rocha em Ilhabela ouvindo o som das águas, ou então deitado na areia em Ubatuba, sente a vontade do universo, a verdade de que ele possui uma força mágica e compreendê-la é o mesmo que saber que não é possível permanecer fora dessa força.
Numa rocha, seria um fungo ou uma alga? Os olhos do menino estão sempre repletos de perguntas, essa é a sua beleza, esse é o seu dom. Isso é o que o caracteriza: a capacidade de perguntar, a aventura das descobertas, o prazer, a incontrolável necessidade interior de questionar.
Bem mais tarde ele saberá sobre o mutualismo dos liquens, e que o caule da planta cresce sempre em direção à luz; talvez nessa mesma época compreenderá o poeta Rimbaud.
Quando questionou pela primeira vez o mistério da planta sempre se curvando para o sol não imaginava o dia em que conheceria o fototropismo, um fenômeno natural, e descobriria que a natureza é repleta de fenômenos.
Talvez saberá de Sanchoniaton, o que um dia, encantado diante das ondas do mar chamou pela primeira vez o vento que move as águas de “o espírito de Deus”.
Antes de compreender melhor as coisas talvez deva conhecer Voltaire, encontrar nesse filósofo a porta e os primeiros degraus da torre chamada vida. E quando decidir fazer da sua existência uma vida poética demorará muito ainda para compreender que quando era menino e brincava entre as coisas e se aproximava das vidas que se moviam entre as folhas e se sentia atraído pela brisa no rosto e pela complexidade da simplicidade da natureza, a poesia se preparava para orientar a sua vida e ele já estava sendo escolhido para ser o porta-voz dos ventos, das folhas, das águas, dos seres pequenos que se movem e voam, e das crianças.Ora, isso significa apenas erguer as vozes da natureza, ofertá-las ao universo.Talvez para isso devesse antes sofrer pelo destino de Rimbaud.
Dependendo das andanças do seu espírito, terá sempre dentro de si a complexidade das perguntas incômodas, entre as quais: como é possível a convivência com a escravidão do cavalo?
Um dia obterá as respostas, pois elas sempre chegam, e verá que para libertar o cavalo, é necessário primeiro que não haja um só humano escravizado neste planeta. Mas talvez sejam necessárias infindáveis gerações para que isso ocorra, para que seja para sempre erradicada da mente humana a idéia da escravidão.
E o que o deixará calmo é a revelação de que o maior beneficio para a sua vida foi ter preenchido a alma com perguntas, ter despertado desde cedo para o questionamento sem trégua, ter convivido sempre com a curiosidade, a grande deusa, a deusa da evolução.

MARCIANO VASQUES

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