NUMA VARANDA, SOB A FRACA LUZ
Eu ficava na varanda sob a luz fraca escrevendo poemas. Fiz isso durante um bom tempo. Em algumas noites montei o boletim literário CHURROS, que eu mesmo financiava com o meu salário, sacrificando a família e a casa. No boletim, publicava os poetas que jamais viria a conhecer pessoalmente, mas sentia-me feliz fazendo isso. Assim é o meu coração. Um certo altruísmo, alguém disse, um idealista, outro comentou, e cada qual vai desfilando as suas considerações, e a cada comentário destilado lá vou eu desfiando e organizando uma conversa de mergulho, pois faz tempo aprendi que apenas a superfície não me satisfaz.
Todos os poetas que eu divulguei em meados da década de 80 estão por aí, espero. Uns sumiram, outros encontro ganhando dinheiro na internet, uns lançaram livros, alguns reeencontro também na Internet, com a mesma postura, uns fingem que não me conhecem, outros festejam quando me reencontram no facebook, mas isso não importa aqui. O que realmente importa é a curiosidade da varanda sob a luz fraca.
Eu permanecia horas e horas escrevendo, jamais me esquivando da alegria de ver um avião riscando a noite.
Depois escrevi o meu primeiro livro infantil, e não mais parei. Quase não mando, para dizer a verdade, praticamente não envio originais, nem sei ao certo porque, mas é assim que faço. Entretanto, continuo escrevendo e de vez em quando lanço um livro. Fico feliz a cada livro. Naturalmente. Mas nenhum livro a mais, nenhuma conquista, nenhuma vitória, nenhum prêmio, nada me transforma numa pessoa arrogante, pois até hoje não me supus estrela, apenas escrevo, e particularmente tenho o coração como referencial, e o coração é invadido pela algazarra, pelo alarido de crianças que correm felizes, crianças que são transformadas em versos, em poeminhas, em literatura, em letras, algumas sapecas.
E veio a Internet, essa maravilhosa conquista do cérebro humano. O espírito da época está aos poucos se adequando. Fico feliz ao reencontrar os mesmos amigos que batalharam no Movimento Literário Alternativo. Estão na ativa, alguns, lutando ainda por um lugar ao Sol. E veio a blogosfera, e veio o facebook, e hoje na imensidão da noite de domingo revejo com nitidez o embrião, ou nem sei, a consolidação da alma do menino que bebia orvalho na folha que alisava o acanhado sol que alvorecia.
Aquele menino a correr levado pela linha do carretel, a girar num infinito carrossel, lá estava ele na varanda sob a luz fraca da lâmpada pendurada.
A imensidão despeja as estrelas na perplexidade, e eu estou aqui, agora, diante dessa biblioteca infinita; lembro de Borges, lembro de Espinosa, lembro de alguns poemas que li...
Vou na imensidão. Na leveza das palavras, palavras que repousam na alma. Os mesmos verbos ainda sujos de boleros.
MARCIANO VASQUES
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