domingo, 6 de fevereiro de 2011

DOMINGO PEDE PALAVRA — 46

 SEM ACORDO, POR FAVOR!



Alguém me perguntou o que eu achava do acordo ortográfico, essa anomalia intelectual que paira sobre a nossa querida Língua Portuguesa. Como sou naturalmente desligado, disse que não "acho" nada, faz tempo que deixei de "achar" o que quer que fosse sobre qualquer coisa.

Mas considero sim algumas relevâncias argumentativas, só para azucrinar, e evito também escrever muito, pois depois não terei tempo para a ler a enxurrada de comentários.
O "acordo" que tirou o trema. Ora, pus-me aqui: eu sentia um orgulho imenso do trema. "O Trema é coisa nossa!" pensei.
Os intelectuais, todos eles, entre os quais um ilustre ex-presidente do Brasil, o senhor José Sarney, e tantos que tanta contribuição já prestaram ao país, impuseram esse acordo. Mas não há necessidade nenhuma de unificação da Língua Portuguesa! Que coisa mais descabida, mais insensata.  Quem sabe os Americanos também irão querer unificar o idioma deles com o Inglês da Inglaterra.
Portugal que eu amo. Tomei conhecimento por um risco de brisa que você não está nem aí para esse tal "Acordo"... Acordo deveria consultar as duas partes, não é? De um lado os intelectuais acadêmicos que necessitam passar para a história, para a memória do Brasil, e do outro lado, o povo, a população, aquela, sabem?: Aquela dos mocambos, dos vilarejos, da vida que explode em mil cores nos varais, nos bailados, nas areias e nos verdejantes, nos casebres, nas trilhas, nos bares e nos altares.
"Consultar a população para que? Nós sabemos o que é bom para o país". Ora! Esse acordo não unifica nada. Nem a Língua, nem a ortografia. É uma mentira oficial. Assim como em muitas "lares" a mentira oficial sobrevive, também por aqui, em nossa nação, seus intelectuais decidiram pelo acordo. Quero de volta o meu trema!
Já tem gente sugerindo o que seria mais produtivo: a publicação de dicionários com as variantes (Houaiss, Aurélio)... Seria muito mais produtivo e interessante...
Tudo bem, dirão, você não vale, você não tem espírito de carneiro...
Em nosso país tem algo curioso, e alguns escritores perceberam isso, como Lima Barreto. A vida, por aqui, não tem jeito. Ela escorre ladeiras, ressurge na azulada espuma das águas dos tanques e das tinas, está no andar cadenciado da mulher, e a vida é como a Língua: tem todos os aromas da memória da felicidade. A rabanada, a moqueca, o quibebe, as comidas e as flores e a maresia das lindas cidades.
A vida se entrelaça e escapa pelas ruas nada geométricas, pelos paralelepípedos, pelo orvalho, e pelo ocaso enluarado... A vida é mais do que sinônimo da Língua. É a sua própria alma, por isso nunca deu certo por essas terras quando ela é modificada de forma autoritária e artificial. Pois ela, a Língua, não é artificial. É a Língua da terra de Jorge Amado, de Caetano Veloso, da mulher rendeira, e do moleque de pandorga pegando rabeira em caminhão ou valsando na ligeireza da caça ao siriri por essas andanças luminosas das vilas mais distantes...
A Língua no diapasão do amolador, nos gritos das tardes empoeiradas: "Olha a pamonha! Pamonha quentinha!" ...
Nem moçambicanos, nem angolanos, nem eu, nem você, ninguém lucrou nada com esse acordo dos intelectuais. Prefiro ficar na minha, bem caladinho, sem tremer, com o meu trema.

MARCIANO VASQUES

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