sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Mensagem

As noites desestreladas
Simone Pedersen

Quem nunca observou um filtro? Dos antigos, de barro que deixavam a água com um sabor inesquecível, diferente dos modernos e tecnológicos filtros acoplados diretamente à passagem da água. Alguns filtros são transparentes, para o nosso deleite. Podemos observar as impurezas contidas nas pedras ou areia e a água cristalina trazendo saúde e bem-estar. O ser humano tem um corpo fantástico que funciona de formas ainda não totalmente explicadas.
Conhecemos apenas o que a experiência nos ensinou e a ciência comprovou: para evitarmos doenças temos que evitar a ingestão de substâncias tóxicas. Higiene, boa alimentação e exercícios são fundamentais. O mesmo serve para nossa saúde mental: para evitarmos doenças temos que, em primeiro lugar, evitar a ingestão de pensamentos sujos ou tóxicos. Temos que desenvolver um filtro natural. Vivemos em um mundo injusto e maldade contamina. A indignação só tem serventia se for usada para gerar atitudes concretas e transformadoras, como vimos no Egito, recentemente. Reclamar aos quatro ventos não muda a previsão do tempo. Ou você procura a pessoa diretamente e sugere uma transformação, ou melhor, não reclame e use esse tempo – e energia – em algo construtivo e do bem.
Não é fácil. Muitas pessoas não são capazes de ouvir críticas, vivem em uma bolha e acreditam ser a própria perfeição, superiores aos outros e em posição de criticar toda a humanidade. Como os músculos atrofiam se não forem exercitados, a boa vontade atrofia se não for usada enquanto fortalecemos a maledicência. Vivemos tempos em que as pessoas voam, elevadas por egos inflados ou caem em depressão quando a realidade se apresenta, provando que suas asas não são tão especiais assim. Outras aprenderam a usar o fogo da boca como dragões medievais: queimam toda a alegria de quem está próximo. Triste de dar dó.
A mídia nos mostra crueldades piores que as da pré-história, quando se matava para sobreviver e não por prazer. Esse é o papel da imprensa, mostrar a realidade e lutar pela justiça, denunciar os criminosos, apurar os fatos. Os filtros pessoais têm a finalidade de nos poupar, o quanto for possível, desse imenso desgaste cotidiano, que mina nossa energia e afeta nosso equilíbrio e energia. Ele nos afasta das pessoas que só trazem tempestades em nossas vidas. Cabe a cada um de nós a escolha: ser a água suja, a areia que tudo suga ou a água límpida.
O pensamento é a água. Somos seres líquidos, fluídos e leves por natureza. As impurezas retidas nos tornam pessoas pesadas de rancor que se arrastam por imundícies, borrifando lama em todos que se aproximam. Não permita que seus pensamentos sombrios o dominem e o transformem em fonte de água escura que contamina quem dela bebe. Faça uma faxina mental e espiritual, deixe a inveja, o ódio, o egocentrismo e a competição de lado. Dome o ego como se encanta um animal selvagem, aos poucos, com muita paciência e amor. Um pensamento doentio é forte o suficiente para domar a mente, se você não for mais forte que ele.
Quantas vidas serão mais saudáveis por causa do seu filtro? Na hora da injustiça, se puder agir concretamente, o faça. Ações são importantes e ninguém deve ser omisso. Mas, não perca o seu dia nem a sua vida reclamando dos outros, conhecidos ou pessoas públicas, focando somente no que há de errado no mundo. Gosto dos japoneses, eles trabalham muito e falam pouco.
Quanto tempo se perde em um dia falando mal da vizinha, do primo, do político, do jogador de futebol, da comida salgada, da sujeira que o vento trouxe? Nós todos temos uma sombra dentro de nós, faminta e desesperada. Ela se fortifica de palavras malignas, que percorrem todo o corpo, escurecem a mente, o coração e os olhos, tornando dias em noites eternas e desestreladas. Quando soltas, são aves selvagens, costumo dizer, e não regressam nunca mais. Saem desenfreadas, machucando por onde passam, ferindo e deixando cicatrizes com suas afiadas e sujas garras.
Alimente as palavras-aves com muito cuidado, para que elas não fujam da sua boca. A palavra mal dita (maldita?) pode ser perdoada, mas nunca será esquecida. Destrói relações, consome simpatias, afasta as pessoas e prolifera descontroladamente, fazendo assim mais mal para quem as gerou do que para quem passou perto e feriu-se com elas. As pessoas gostam de um pouco de discussão para sair da rotina, mas quem consegue ficar o dia todo ouvindo alguém reclamar?
Você conhece alguém assim?

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