segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

DOMINGO PEDE PALAVRA - 42

Marciano Vasques
  

NA ALEGRIA AUTÊNTICA DO CARNAVAL
 
 

Fantasias. Talvez durante o ano tenhamos usado a fantasia da vida sem autenticidade, que é o contrário da vida genuína, e tenhamos participado de uma corrida medonha na qual o melhor das nossas energias foi gasta na busca desesperada pelo dinheiro do aluguel, pela comida, e tenhamos nos rastejados em inúmeras e intermináveis filas. E tenhamos sido forçados a nos embalar na ilusão de um cartão de plástico a nos creditar diante da sociedade.
Talvez a fantasia diária tenha ocultado o ser que de fato somos, plenos de amor, com natureza generosa, de doação, de espírito comunitário, que nascemos para a alegria. A mais pura alegria, na qual deveríamos vigorar, a alegria autêntica.

Então chega a festa pagã e podemos retirar as nossas fantasias e cair na alegria. Alegria que aos poucos vai se dissolvendo, pois o carnaval já não corresponde mais plenamente às necessidades da alma, e nós, que durante o ano tenhamos sido cada vez menos amorosos e tenhamos tido cada vez menos tempo, quem sabe já não vemos o carnaval com o puro olhar de outrora.

A televisão, extraordinária invenção do século XX, a cada dia torna-se mais forte a ponto de isolar as pessoas. Agora, a Internet a nos retirar da vida lá fora. Uma coisa extraordinária, uma das maravilhas do cérebro humano, mas precisa ser administrada, equilibrada, sob o risco de sermos tomados pela imbecilidade de nos afastarmos da vida lá fora, ao lado das pessoas com quem convivemos.

Ninguém mais se dá ao luxo de uma conversa numa varanda enluarada. E o carnaval que no passado encantou Rosema Branca, com confete e serpentina e os bailes de salão, o carnaval da alegria que a televisão foi formatando e passou a ser luxo do luxo do luxo, onde estará?

Onde andará o carnaval? Falo de São Paulo, da rica cidade, da nossa metrópole, não falo de outras regiões do Brasil, de outros estados e de outras cidades, as chamadas "cidades do interior", nas quais provavelmente blocos desfilem nas ruas sem a obrigação de ganhar prêmios e obedecendo somente ao regulamento do coração.

"Cidades do interior" onde o se voltar para dentro, para si, solicita uma renovada alegria, espontânea e sincera, na qual não é preciso a desvalorização do corpo da mulher e a degradação da sexualidade via banalização da sensualidade, entre outras coisas.

A época é complexa e sem direções éticas. Vejamos um exemplo amargo e doloroso. Um artista popular que tem crianças entre os fãs, para ganhar dinheiro fez comercial de cerveja, enriqueceu com a sua arte, mas também fazendo propaganda de bebida alcoólica, mesmo tendo consciência (e por isso mesmo) da força apelativa de sua imagem para vender, sem mostrar na propaganda as mulheres que chegam aos hospitais, espancadas por seus maridos por causa do álcool, e então, ele, o artista, participou de propaganda enganosa, pois sempre aparecia ao lado de mulheres, que são as boas da cerveja, nunca mostrando mães agredidas, filhas violentadas.
Para mim, que sempre vinculei o prazer da cerveja à conversa e ao estado poético do ser, a propaganda, infelizmente, só causou estragos ao relacionar à cerveja ao uso da mulher como objeto.
A complexidade da época também interfere no carnaval, tornando - o uma fonte de lucro, de recursos financeiros. Carnaval virou um negócio como outro qualquer. Nem sempre foi assim e ainda há clubes que acreditam numa alegria saudável, num espaço e num ambiente onde a família possa viver algumas horas felizes ao som de uma orquestra e onde os matinês representam a chance de alegria, pois carnaval é só isso: alegria. Ainda há o baile de carnaval em salões, onde as pessoas podem ouvir as músicas inesquecíveis, as marchinhas do coração, onde as famílias podem resgatar as suas melhores lembranças.
Sempre gostei de carnaval, sempre soube que os quatro dias oferecem a oportunidade para todos poderem jogar fora a sua fantasia opressiva e girar pelo grande salão entre risos e alegria, por isso sempre me entristeci com o que dele fizeram e tentam fazer os que são pelo espírito financeiro guiados. É hábito antigo se apoderar das manifestações de alegria autêntica do povo e convertê-las em negócio lucrativo.

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